
PRIMEIRA EDIÇÃO PORTUGUESA CONJUNTA DE UM LIVRO ICÓNICO DO GRANDE POETA BRASILEIRO
Tinha Itabira no meio do caminho. Tanto tinha Itabira, Minas Gerais, «pedra natal» de Carlos Drummond de Andrade, que o poeta a ela voltou em Boitempo (1968), Menino antigo (1973) e Esquecer para lembrar (1979), colectâneas autobiográficas tardias que foram sofrendo diversas reformulações e compõem um verdadeiro romance de clã, casa, geologia, mineração e gado, com o boi como imagem de uma «ruminação do enigma do tempo» (assim escreve José Miguel Wisnik no posfácio a esta primeira edição portuguesa conjunta). Viagem na família (a começar no espectro de um pai «imenso»), viagem na História (o cometa Halley, a Grande Guerra, a herança do esclavagismo), Boitempo é um extraordinário catálogo de infância e juventude, convocando e documentando casos, personagens, fascínios, amarguras, objectos, o Deus do catecismo e os vislumbres femininos, o «mundominas» da província e os anos de colégio e de aprendizagem jornalístico‑literária. Inventivo e sóbrio, objectivo na sua subjectividade, criticamente nostálgico, vendo de fora aquilo que Drummond conheceu por dentro, Boitempo reconhece que todo o indivíduo traz consigo uma identidade e uma pertença que tornam tocantes mesmo as histórias mais cifradas e intransmissíveis.
— Pedro Mexia
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, interior de Minas Gerais, a 31 de Outubro de 1902, nono filho de um fazendeiro. Estudou em colégios internos, sendo expulso de um deles por «insubordinação mental». Na década de 1920, já a viver em Belo Horizonte com a família, licencia‑se em Farmácia, mas nunca exerce, dedicando‑se ao jornalismo e à literatura. Em 1928 publica numa revista «No meio do caminho», um dos poemas mais controversos do modernismo brasileiro, movimento cujas principais figuras entretanto conhecera. Em 1930 sai o seu primeiro livro, Alguma poesia. Em 1934, muda‑se para o Rio de Janeiro, onde trabalhará no gabinete do Ministro da Educação e Saúde Pública e mais tarde na Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, instituição onde se mantém até à reforma. Da sua bibliografia, destacam‑se livros como Sentimento do mundo (1940), A rosa do povo (1945), Claro enigma (1951), Fazendeiro do ar (1954), Lição de coisas (1962) ou As impurezas do branco (1973), além de uma actividade de seis décadas como cronista, nomeadamente no Jornal do Brasil. Morreu no Rio, a 17 de Agosto de 1987, poucos dias depois de perder a filha, Maria Julieta.