
O TEXTO QUE TRANSPORTOU A LITERATURA PORTUGUESA PARA A MODERNIDADE
Bom Senso e Bom Gosto está na origem da nossa ainda hoje maior polémica literária: «a Questão Coimbrã». Em resposta ao então afamado António Feliciano de Castilho – que, sentindo a velha ordem cultural sob perigo iminente, lhe ridicularizou acintosamente as Odes Modernas –, Antero de Quental publica o violentíssimo folheto Bom Senso e Bom Gosto: Carta ao ex.mo senhor António Feliciano de Castilho. Nele, arrasa o ultra-romantismo piegas de Castilho e seus acólitos, a sua arrogância e vacuidade, a sua impostura. A «Questão Coimbrã» tomou proporções gigantescas e, perante as acusações falsas e injustas que lhe eram dirigidas, Antero escreveu um segundo folheto: A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais.
Reunidos neste novo volume da colecção dedicada a Antero de Quental, os dois revolucionários folhetos são agora magistralmente apresentados por Ana Maria Almeida Martins.
«Acabo de ler um escrito de v. ex.a, onde, a propósito de faltas de bom senso e de bom gosto, se fala com áspera censura da chamada escola literária de Coimbra […] Quem move estes ridículos combates de frases é a vaidade ferida dos mestres e dos pontífices; é o espírito de rotina violentamente incomodado por mãos rudes e inconvenientes; é a banalidade que quer dormir sossegada no seu leito de ninharias. […] A escola de Coimbra cometeu efectivamente alguma coisa pior de que um crime — cometeu uma grande falta: quis inovar […] Os versos de v. ex.a não têm ideal — mas começam por letra pequena. As suas críticas não têm ideias — mas têm palavras quantas bastem para um dicionário de sinónimos […] Mas, ex.mo sr., será possível viver sem ideias? Esta é que é a grande questão […]. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança.»
—Antero de Quental
Antero de Quental
Antero de Quental (1842-1891), açoriano natural de Ponta Delgada, é uma das figuras marcantes de toda a cultura portuguesa e o símbolo máximo da nossa ainda hoje mais brilhante geração intelectual – a Geração de 70. Prosador brilhante, poeta genial, é ainda referência obrigatória no ensaísmo filosófico e literário, na política militante, no jornalismo ou na literatura panfletista.
«Na prosa musical de Antero, polémica e crítica, de uma grande limpidez formal», nas palavras de Eduardo Lourenço, viu Manuel Bandeira o início da moderna prosa lusa. Todavia, muito do que escreveu está esquecido ou praticamente ignorado, com excepção de sonetos ou Causas da Decadência dos Povos Peninsulares. O que tem predominado é o interesse doentio pela sua morte e também pela vida, que a devoção dos amigos transformou em fantasiosa biografia. Mas o verdadeiro Antero está na obra em prosa e verso que nos deixou.