
O TERCEIRO LIVRO DE PIRES CABRAL NA COLECÇÃO DE POESIA DIRIGIDA POR PEDRO MEXIA
Prémio de Poesia António Gedeão 2022
Prémio Ruy Belo 2022
À finitude apenas podemos contrapor moratórias, nada mais que isso. Caderneta de Lembranças, apesar do título, é um livro mais prospectivo do que retrospectivo, uma colectânea de interrogações e de meditações. O sujeito poético, como todos os sujeitos, anda ainda às voltas com o «de onde vimos» e o «para onde vamos», tendo já mais ou menos estabelecido «quem somos». Por isso, entre os comprimidos para a hipertensão e a teologia, formula hipóteses. Hipóteses, diga-se, não proibitivamente abstractas, mas nascidas do quotidiano, das estações, das paisagens, dos bichos. Umas vezes são evocações desanimadas ou humoradas, outras vezes fábulas e alegorias, ou diálogos e apólogos, sempre com alguma amargura, mas sem nenhum cinismo. A questão, não fugindo ao assunto, é esta: a haver um deus a presidir a isto tudo, é um deus «lateral» (o acaso), um Deus «paroquial» (o da infância, o que «ficou mal explicado»), ou um outro, não se sabe qual? «Que coisa é Deus?», pergunta o poeta, litigante, inquisitivo, sarcástico, tropeçando de inquietação. Mas não é uma epifania que procura, nem uma luz salvífica, antes «as sombras / que Deus projecta na minha escuridão», versos que podiam ser de um descrente ou de um místico.
— Pedro Mexia
A.M. Pires Cabral
A.M. Pires Cabral nasceu em Chacim, Macedo de Cavaleiros, em 1941. Licenciou-se em Filologia Germânica. Foi professor e animador cultural. Publicou vários volumes de crónicas e de ficção, tendo ganho o Prémio Círculo de Leitores, o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco e o Grande Prémio de Literatura DST.
Como poeta, estreou-se em 1974 com Algures a Nordeste, a que se seguiram Solo Arável (1976), Trirreme (1978), Nove Pretextos Tomados de Camões (1980), Boleto em Constantim (1981), Os Cavalos da Noit (1982), Sabei por onde a Luz (1983), a antologia Artes Marginais (1998), Desta Água Beberei (1999), O Livro dos Lugares e Outros Poemas (2000), Como se Bosch Tivesse Enlouquecido (2003), Douro: Pizzicato e Chula (2004), Que Comboio é Este (2005), Antes Que o Rio Seque: Poesia Reunida (2006), As Têmporas da Cinza (2008), Arado (2009), Cobra-d’Água (2011), Gaveta do Fundo (2013) e Trade Mark (2018).
Pela sua obra poética, foram-lhe atribuídos os prémios D. Dinis, Luís Miguel Nava e PEN Clube. Gaveta do Fundo recebeu a distinção de Melhor Livro de Poesia em 2013 (SPA). Está traduzido em alemão, castelhano e italiano.