
O que significa «divisão da alegria»? Um gesto franciscano (a que não faltam idílios campestres, nem uma gata chamada Ninotchka); uma alusão às canções sem alegria de Ian Curtis; os prazeres quotidianos; o inquebrantável contingente dos amigos; aquilo que vem depois do luto; ou a própria tarefa do poeta, «príncipe das metades»? Divisão da Alegria, o livro mais extenso e mais expansivo de Raquel Nobre Guerra, nunca divide por completo a alegria daquilo que não é alegre. «Tenho saudades de quando a poesia era directa», escreve a autora, mas logo verificamos que dizer directamente as coisas pode ser dizê-las com a franqueza lúdica de um Frank O’Hara, com a densidade oblíqua do pensamento filosófico, ou com a obscuridade quase intransmissível de certas epifanias e cumplicidades. Se estes poemas são directos é na medida em que há neles uma «gravidade»: gravidade enquanto gravitas e enquanto força que atrai os objectos. Não se trata de dividir a alegria no sentido de tê-la já e depois distribuí-la, mas de tentar entender, com um admirável ânimo, em quantas partes diferentes a alegria se divide.
— Pedro Mexia
Raquel Nobre Guerra
Raquel Nobre Guerra nasceu em Lisboa, em 1979. É licenciada e mestre em Filosofia. Foi bolseira de doutoramento (Estudos Literários) da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Não concluiu a tese. Foi professora de Filosofia, faz traduções pontuais. Publicou Groto Sato (2012), prémio Primeira Obra do PEN Clube Português e Prémios Novos da Culturgest / CGD; SMS de Amor e Ódio (2013); Saudação a Álvaro de Campos (plaquete, 2014); Senhor Roubado (2016), semifinalista do Prémio Oceanos em 2017. Nesse mesmo ano foi-lhe atribuída a bolsa de criação literária da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) que apoiou a criação desta obra. Os seus trabalhos estão publicados em Espanha, Alemanha, México, Colômbia, Brasil e Grécia. Vive entre Lisboa e o Alentejo.