HOJE É SEMPRE ONTEM - Tinta da China

«Lembro-me de pensar, ao visitar pela primeira vez um cemitério no Rio de Janeiro e ao ver todas aquelas campas debaixo do sol, como é injusta a morte aqui, como se o não fosse também em qualquer outro lado do mundo. Mas morrer no meio desta natureza, desaparecer a qualquer momento deste conjunto de praias, flores, botecos e sei lá quantas mais coisas agradáveis, pareceu-me naquele momento a maior injustiça de todas, apenas comparável talvez à expulsão de Adão e Eva dos jardins do Paraíso.

Decidi-me a fotografar. A cidade fascina-me o suficiente para tentar imaginar o que seriam as possíveis imagens dela. Porque não é propriamente uma cidade sem imagens, pelo contrário, é uma cidade-palavra que convoca inúmeras imagens na mente de qualquer pessoa que escuta o seu nome. Rio. Nem será preciso completar e imediatamente qualquer um imagina praia, sol, copacabana, ipanema, carnaval, pão de açúcar, favelas, tiros, e todos os outros clichês, que, não por acaso, é uma palavra que em tempos queria também dizer fotografia

Daniel Blaufuks

Daniel Blaufuks nasceu em Lisboa em 1963, numa família de refugiados judeus alemães. A sua formação dividiu-se entre a AR.CO, Lisboa, o Royal College of Arts, Londres, e a Watermill Foundation, Nova Iorque.
Fotógrafo, cineasta e artista plástico, tem trabalhado na relação entre fotografia e literatura, através de obras como My Tangier, com o escritor Paul Bowles. Mais recentemente, Collected Short Stories apresentou vários dípticos fotográficos, numa espécie de «prosa de instantâneos», um discurso baseado em fragmentos visuais, que insinuam histórias privadas a caminho de se tornarem públicas. A relação entre o público e o privado, a memória individual e a memória colectiva tem sido, aliás, uma das constantes interrogações no seu trabalho.
Utiliza principalmente a fotografia e o vídeo, apresentando o resultado através de livros, instalações e filmes. O documentário «Sob Céus Estranhos» tem sido apresentado regularmente por todo o mundo, nomeadamente no Lincoln Center, em Nova Iorque. Expôs no Centro de Arte Moderna (Fundação Calouste Gulbenkian), no Palazzo delle Papesse (Siena, Itália), na LisboaPhoto (Centro Cultural de Belém), na Elga Wimmer Gallery (Nova Iorque) e no PhotoEspaña (Madrid), onde o livro «Sob Céus Estranhos» recebeu o prémio de melhor edição internacional do ano de 2007. Neste mesmo ano foi galardoado com o Prémio BES Photo. Em 2011 expôs no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e em 2014 no Museu Nacional de Arte Contemporânea, em Lisboa. É director de imagem da revista literária Granta em Língua Portuguesa, responsável pela escolha dos fotógrafos de cada nova edição.

http://www.danielblaufuks.com/