JACQUES, O FATALISTA - Tinta da China

«A verdadeira grandeza deste romance só pode ser avaliada quando equiparado ao Dom Quixote ou ao Ulisses. Este romance é uma explosão de liberdade impertinente sem autocensura e de erotismo sem álibis sentimentais.»
— Milan Kundera

«Que é que impede a estabilização da verdade? Acima de tudo, o prazer de falar. Esse prazer pode ser uma verdadeira paixão. E tem uma característica – não olha a obstáculos: ‘Não há gente que mais goste de falar que os gagos, não há gente que mais goste de andar que os coxos.’ Falar, conversar. Porque a conversa tem uma característica absolutamente extraordinária: ao mesmo tempo que reúne tudo, dispersa tudo. A conversa dispara em todas as direcções, a gente atravessa-a com o fio de uma ideia, mas a ideia vai-se disseminando no decurso da travessia. E a dada altura, como se explica logo nas primeiras linhas deste livro, ninguém sabe para onde vai nem donde vem, nem em que ponto é que está. […] Trata-se de amar as palavras naquilo que elas têm de desajustamento em relação à realidade, e de compreender que essa realidade se transforma à medida que nós usamos as palavras em configurações diferentes. Trata-se de perceber que as palavras não servem apenas para referenciar a realidade, mas também, e sobretudo, para gerir distâncias (é essa a verdadeira definição da retórica) e para aproximar ou afastar as pessoas. Trata-se ainda de não pretender privilegiar apenas o que é útil, mas de ver até que ponto o inútil é tão útil como o útil (ou, se preferirem, o útil é tão inútil como o inútil). E é tudo isto que nos prende apaixonadamente à longa digressão que é este livro. Sentido de perder tempo, evidentemente. Mas sentido também de ir ao encontro do prazer do tempo perdido. […] Em Jacques, o Fatalista, Diderot fala, conversa, dança com as palavras, traça figuras de uma coreografia arrebatadora. Diderot não nos deixa repousar um minuto: as personagens saltam, desaparecem, morrem, amam, enganam-se, agridem, ressuscitam, e tudo se processa numa agilidade e desenvoltura absolutamente surpreendentes. […] O essencial não está, portanto, na estabilização, mas num valor precisamente oposto: na velocidade com que o jogo continua a ser jogado.»
— Eduardo Prado Coelho

Denis Diderot

Denis Diderot nasceu a 5 de Outubro de 1713, em Langres, no norte de França.
Em 1732 concluiu os seus estudos na Universidade de Paris. Pouco se sabe da sua vida entre os anos de 1734 e 1744: desistiu de entrar para o mundo do teatro e, para sobreviver, decidiu ser professor; a certa altura sentiu-se seduzido pela carreira eclesiástica, mas a verdade é que enveredou por uma vida boémia e desregrada. Em 1743 casou-se com Antoinette Champion em segredo, por causa da desaprovação do pai desta. Tiveram três filhos, mas apenas um sobreviveu. Em 1755 conheceu Sophie Volland, com quem manteve um relacionamento intenso durante mais de 20 anos.
Em 1745, o editor André Le Breton desafiou Diderot a dar seguimento ao projecto de traduzir para francês a Cyclopaedia, or Universal Dictionary of Arts and Sciences, de Ephraim Chambers. Diderot aceitou o desafio e trabalhou em parceria com Jean Le Rond d’Alembert. Rapidamente o projecto da tradução foi expandido e Diderot transformou-o numa obra em que pretendia expor os princípios essenciais e o âmbito de aplicação de todas as artes e ciências, fazendo-se rodear por uma imensa equipa de homens das letras, das ciências e da religião. O resultado foi a publicação dos 27 volumes da Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers.
De entre a vasta produção literária e ensaística de Denis Diderot destacam-se Pensées philosophiques (1746), Le fils naturel (1757), Le père de famille (1758), La religieuse (1760), Le neveu de Rameau (1761-74) e Paradoxe sur le comédien (1773).
Jacques, o Fatalista, e o seu amo foi escrito em 1773 e publicado postumamente em 1796. Denis Diderot morreu a 31 de Julho de 1784, em Paris.