
FORA DE CIRCULAÇÃO HÁ QUASE 50 ANOS, O MÍTICO LIVRO DE ANTÓNIO REIS ESTÁ NOVAMENTE DISPONÍVEL.
«Andávamos com os Poemas Quotidianos no bolso e partilhávamo-los avaramente, nos cafés e nas longas noites solitárias da adolescência, como um fogo comum, um sinal que nos identificava uns aos outros como membros da mesma tribo errante; éramos todos jovens, ou julgávamos que éramos, e acreditávamos, naqueles tempos controversos, que nos havia sido dado o dom de, pela poesia, compreender e mudar o mundo e a vida. António Reis não o sabia, mas todas as palavras que então possuíamos eram as suas.»
— Manuel António Pina
«Poeta da segunda geração do neo-realismo português, ligado à revista portuense Notícias do Bloqueio, António Reis afastou-se da dimensão retórica e declarativa de boa parte dos neo-realistas, preferindo o despojamento do verso, a emoção contida, o intimismo melancólico. Os poemas de Reis são sobre vidas comuns, marcadas pelo trabalho e a alienação, a fadiga e o descanso, o tédio e a solidão, os grandes medos e os pequenos prazeres, a dignidade e a opressão. Embora ‘quotidianos’, estes textos escolhem certos objectos que observam de um modo, digamos, cinematográfico, e a partir deles edificam um ‘espaço interior’ de indagação ética. Tomando ‘o partido das coisas’ (à imagem de alguns poetas franceses do pós-guerra, como Ponge ou Guillevic), o poeta considera o jornal, a maçã, a camisa, a jarra, o maço de cigarros, o pente, e ‘arranca às coisas o que elas sabem a respeito do homem’ (Gaëtan Picon). A penúria material e o sonambulismo da existência são assim gémeos da constância e da duração no tempo. E manifestam-se num fulgurante elogio da fraternidade e da conjugalidade.»
— Pedro Mexia
António Reis
António Reis nasceu em 1927, em Valadares, Vila Nova de Gaia. Fez estudos secundários no Porto e trabalhou como empregado de escritório, colaborando também na imprensa. Publicou alguns livros de poesia, mas eliminou-os quase todos da sua bibliografia, com excepção de Poemas Quotidianos (1957) e Novos Poemas Quotidianos (1960), editados sob a égide da revista Notícias do Bloqueio. Em 1967, um volume da Portugália recuperou essas duas colectâneas, revistas e aumentadas, acrescentando-lhes um substancial estudo de Eduardo Prado Coelho.
Etnólogo e artista autodidacta, membro activo do Cineclube do Porto, Reis foi assistente de realização de Manoel de Oliveira (Acto da Primavera, 1962) e escreveu diálogos para Paulo Rocha (Mudar de Vida, 1966). Dirigiu ficções, etno-ficções e documentários poéticos bem recebidos no circuito dos festivais europeus: a curta-metragem Jaime (1974) e, em parceria com a mulher, Margarida Cordeiro, as longas Trás-os-Montes (1976), Ana (1982) e Rosa de Areia (1989). Professor na Escola Superior de Teatro e Cinema, António Reis influenciou decisivamente a geração de Pedro Costa, Joaquim Sapinho e João Pedro Rodrigues. Faleceu em Lisboa, em 1991.