
Uma obra «corajosa, um trabalho rigoroso e desapaixonado, baseado numa investigação sobre a forma como a hierarquia católica foi construindo, primeiro, e usando, depois, ao longo do século, o ‘milagre de Fátima’ com o objectivo de transformar o lugar e a alegada epifania num pólo ideológico de ‘recristianização’ de um Portugal doente e afastado dos caminhos da fé pelo ateísmo e anticlericalismo republicano».
— Fernando Rosas
As «aparições» de Fátima (1917) ocorreram num dos momentos económicos, sociais e políticos mais difíceis e mais dramáticos da história de Portugal, que bem podia sistematizar-se na trilogia do caos: «fome, peste e guerra». Nesse período, mas, sobretudo, anos antes, havia-se registado uma grande ofensiva dos governos republicanos em defesa da laicização do Estado e da secularização da sociedade, que acabou por restringir como nunca os privilégios e as liberdades da Igreja Católica. Rebentou a Primeira Guerra Mundial, onde Portugal teve uma participação controversa e trágica. Estoiraram motins e rebeliões. Proliferaram epidemias agudas de tifo e varíola e eclodiu depois a pandemia da «gripe pneumónica». Acentuou-se a crise económica e financeira, que gerou inflação galopante, falta de víveres essenciais, racionamento, pobreza, miséria e fome. Nesta conjuntura de extrema adversidade, surgiu, na Cova da Iria, um culto popular espontâneo que logo se propagou num país católico, rural, analfabeto e dado a superstições e a devoções messiânicas. Um culto popular que — como este livro pretende demonstrar — a Igreja Católica desde muito cedo estimulou, disciplinou, enquadrou ideologicamente e apresentou, com grande sucesso, a Portugal e ao Mundo.
Luís Filipe Torgal
Luís Filipe Torgal é professor na Escola Secundária de Oliveira do Hospital, onde fundou e coordena a revista Ipsis Verbis. É mestre em História Económica e Social Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Colabora como investigador no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20). Participou nas obras História de Portugal em Datas e História Comparada – Portugal, Europa e o Mundo e no Dicionário Biográfico Parlamentar (1935-74). É autor de textos sobre Fátima, a República no Brasil e em Portugal, os republicanos António Machado Santos e José Tomás da Fonseca, educação e outros assuntos, editados em publicações científicas, blogues e vários periódicos locais, regionais e nacionais. No âmbito das comemorações do centenário da Primeira República, assinou as entradas Fátima e António Machado Santos, a publicar no Dicionário de História da Primeira República e do Republicanismo.